Os denunciantes estão sendo alvos de ameaças por parte
dos investigados que já foram afastados do serviço por parte da
Prefeitura Municipal de João Pessoa.
A Polícia Federal está apurando denúncia de que o Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de João Pessoa está sendo utilizado
para traficar armas e drogas, entre outras irregularidades, inclusive,
desvio de verbas. Os denunciantes estão sendo alvos de ameaças por parte
dos investigados que já foram afastados do serviço por parte da
Prefeitura Municipal de João Pessoa.
A denúncia, que faz parte de matéria da Revista Época, foi feita pelo
motorista do Samu, Valdemir Santos Evaristo, ao relatar que em 2011 foi
convidado para participar do esquema criminoso que já está sendo
investigado, desde agosto, deste ano, pelo delegado Felipe Alcântara, da
Polícia Federal. Com medo das ameaças, revelou o motorista, passou a
residir no interior de Pernambuco.
Na íntegra a matéria públicada pela Revista Época:
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) é a linha de frente
da saúde pública desde 2003, quando suas ambulâncias começaram a ser
distribuídas pelo país. Ainda hoje, a maioria das cidades não dispõe
delas em número suficiente. Também são frequentes as denúncias de que
elas estão em más condições ou sucateadas. O milhão de pessoas que vivem
na região metropolitana de João Pessoa, na Paraíba, dispõe de apenas 16
ambulâncias. Lá, as denúncias envolvem crimes, e não apenas o mau
estado dos veículos.
Desde o início de agosto, a Polícia Federal (PF) investiga um esquema
de venda de plantões disseminado entre os funcionários do Samu da
capital paraibana. Segundo as denúncias, eles fazem escalas mensais de
dez plantões e recebem por 25. Uma pequena parte do dinheiro, o
equivalente a cinco turnos, fica com o funcionário. O restante vai para
seus chefes. “É desvio de verbas”, diz o delegado federal Felipe
Alcântara, responsável pelo caso.
A apuração começou depois que um dos motoristas socorristas denunciou
os crimes. Valdemir Santos Evaristo, de 34 anos, relatou que, no início
de 2011, foi convidado a participar da quadrilha por seu então superior
imediato, José Leonardo Alves, um ex-policial militar. No mesmo dia,
Evaristo diz que foi procurado pelo coordenador administrativo do Samu
de João Pessoa, Gilmore Lins. À PF, Evaristo declarou que Gilmore
sugeriu que ele pedisse transferência para o Samu de outro município.
Novamente, Evaristo não concordou. “Recusei, e minha vida virou o
inferno”, diz. Em seguida, começou a receber ameaças. Em março, resolveu
contar tudo o que sabia à secretária municipal de Saúde, Roseana Meira.
Para provar que dizia a verdade, levou duas testemunhas, uma técnica de
enfermagem e uma telefonista do Samu. Roseana ouviu e pediu provas
materiais.
Dias depois, Evaristo voltou com documentos com evidências de que seus
colegas haviam fraudado as escalas de plantão. Nessa conversa, deu mais
detalhes da fraude e dos desmandos ocorridos no Samu. Segundo Evaristo,
muitos chamados de socorro da população deixavam de ser atendidos porque
as equipes estavam de plantão só no papel. Recebiam como se tivessem
trabalhado, mas não estavam lá quando ocorriam as emergências. Outras
vezes, os doentes deixavam de ser resgatados porque as ambulâncias eram
usadas para fins particulares, como para levar os filhos dos
funcionários à escola ou fazer compras.
Os delitos e irregularidades presenciados por Evaristo, pela técnica de
enfermagem e pela telefonista não se restringiam ao superfaturamento de
plantões. Eles relataram que as ambulâncias do Samu também eram usadas
para traficar armas e drogas. “Isso era feito de noite e nos fins de
semana. A gente via os carregamentos de pistolas e revólveres três ou
quatro vezes por mês. Era tudo novinho. A droga era uma coisa mais
escondida. No prazo de um ano, só vi oito ou dez vezes”, disse Evaristo a
ÉPOCA. Segundo ele, os carregamentos incluíam tabletes de maconha,
trouxas de cocaína e pedras de crack. Evaristo diz não saber que destino
era dado às armas ou às drogas.
Depois que Evaristo e suas testemunhas fizeram o relato à secretária
Roseana Meira, José Leonardo Alves e outros dois envolvidos foram
afastados de suas funções. As punições não interromperam as ameaças.
“Falei com a doutora Roseana pensando que recobraria minha vida, mas o
que aconteceu foi o contrário”, afirma. De acordo com o relato de
Evaristo, em junho, a casa dele foi invadida, e sua mulher agredida. Na
central do Samu de João Pessoa, diz ele, um soldado dos Bombeiros tentou
agredi-lo e jurou matá-lo. Acabou contido pelos colegas. Um colega de
Samu entrou armado numa das bases das ambulâncias à procura de Evaristo,
que não estava de plantão naquele momento. Ele diz que dias depois foi
emboscado por dois homens numa motocicleta. O carona atirou em seu
carro.
Apavorado, Evaristo resolveu se esconder no interior pernambucano.
Achou que estaria mais protegido se sua história fosse pública e
estivesse nas mãos das autoridades. Por isso, gravou dois vídeos em que
relata os crimes que presenciou e as ameaças que sofreu. Os depoimentos
foram colhidos pelo dono de uma produtora de um amigo de Evaristo. Deu
cópias a um amigo, ao produtor e ficou com outra (assista ao vídeo ao
lado). Em seguida, Evaristo seguiu a recomendação de um advogado e depôs
à PF. A notícia crime registrada pelo delegado Felipe Alcântara é farta
em detalhes sobre a venda de plantões. Traz o nome de José Leonardo
Alves e de outros quatro acusados por Evaristo, além de quatro
testemunhas. Além da técnica de enfermagem e da telefonista que o
acompanharam no depoimento à secretária de Saúde, estão relacionados
outro técnico de enfermagem e um sargento da Polícia Militar da Paraíba,
ex-funcionário do Samu.
O delegado Alcântara considera a denúncia sobre o desvio de verbas
públicas suficiente para embasar um inquérito. Para ele, as acusações
sobre o superfaturamento de plantões foram consistentes o suficiente
para que ele decidisse ouvir a secretária Roseana Meira. Alcântara não
deu o mesmo tratamento às informações sobre tráfico de armas e de
drogas. Segundo ele, Evaristo não apresentou provas materiais desses
crimes nem indicou como elas poderiam ser obtidas.
Questionada sobre as denúncias, a prefeitura de João Pessoa levou 48
horas para se manifestar. Só o fez depois que as questões chegaram ao
gabinete do prefeito, Luciano Agra (PSB). A Secretaria de Saúde deu
respostas contraditórias às denúncias formuladas por Evaristo. Primeiro,
afirmou em nota que aguarda o resultado das investigações da PF para
decidir se abre um inquérito próprio para investigar o superfaturamento
de plantões.
Depois, enviou outra comunicação afirmando que o processo interno está
aberto. A secretária Roseana Meira evitou atender a reportagem de ÉPOCA
em seu gabinete e em casa. Gilmore, que ofereceu transferência a
Evaristo, disse desconhecer as fraudes nos plantões. Indagado sobre o
afastamento de José Leonardo Alves, desligou o telefone.
O motorista Evaristo voltou a sua casa na região metropolitana de João
Pessoa. Sua família não. A mulher e os dois filhos dele moram, agora,
com parentes. Evaristo vive só e usa colete à prova de balas. Quando
precisa sair, pede que amigos policiais o acompanhem fardados e armados.
“Acho que vou morrer por causa disso. Quero entrar no programa de
proteção a testemunhas”, diz.
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