MULHER QUE SOFREU COM SPRAY DE PIMENTA NO ROSTO FOI PRESA, PAGOU FIANÇA DE 2 MIL REAIS E FEZ DESABAFO EM REDE SOCIAL.
Depois da imagem de
um policial jogando spray de pimenta no rosto de uma mulher, durante protesto
no Centro do Rio, rodar o mundo, a manifestante que chegou a ser presa na
última segunda-feira (17), postou um texto de desabafo no Facebook.
De acordo com a
mensagem divulgada esta tarde (19), além do spray de pimenta no rosto, ela
teria sido apedrejada por policiais e atingida por uma bala, que ela não sabe
identificar se foi de borracha ou um tiro de raspão.
Liv Oliveira, como se
identifica na rede social, é aluna do curso de artes na UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro) e se diz uma militante das causas sociais desde a
adolescência. Ela conta que depois da passeata na Praça XV foi presa por
formação de quadrilha e que teve que pagar fiança de R$ 2 mil para ser
liberada. Liv afirma que protestava pacificamente, mas diz que não pretende
voltar às próximas passeatas por orientação do seu advogado. Segundo ela,
devido ao seu histórico psiquiátrico poderia parar num manicômio judicial.
Nessa manhã (19), a mulher teria feito exame de corpo de delito no IML
(Instituto Médico Legal).
Veja na integra:
Mensagem de Liv Oliveira no Facebook.
"Fazia muito
tempo que não me envolvia em protestos, me lembro que em minha adolescência o
único movimento político que me pareceu coerente de todo era aquele que lutava
pelo passe livre, que na época tinha risco de ser perdido. Um direito do
estudante que deveria mesmo ser ampliado, estendido aos universitários. Na
passeata antiga de que me lembro, entramos em confronto com a polícia, que
começou ...como sempre começa, a coibir violentamente os manifestantes. Quando
se fala de violência há de se compreender o direito de resposta do que é
vítima, como somos nós vítimas do estado, reféns de uma polícia corrupta e
atroz. Passou por mim nesse tempo, enquanto eu corria de uma bomba de gás
lacrimogêneo, e era uma menina de dezesseis anos, um homem que disse ao
telefone pra alguém “ aqui no centro tem um monte de marginais vestidos de
estudantes”.
Eu fiquei boquiaberta
na época e ainda hoje fico quando alguém condena uma pessoa que luta pelos
próprios direitos indo à uma passeata, protestando. Uso com frequência o
argumento de que numa primavera árabe, como chamaram, a revolta da população é
considerada válida, enquanto aqui a revolta é considerada crime, reagir ao
estado, à polícia, é o mínimo que podemos e devemos, ainda que eles tenham
táticas e nós não, devemos resistir, o mais pacificamente quanto o possível,
mas promovendo transtornos sim, porque um protesto que não incomoda é um
protesto sem voz.
E pra citar Hélio
Oiticica, com seu “seja marginal, seja herói” devo dizer, que ser chamada de
marginal não é hoje pra mim uma ofensa, e sim um elogio. Já que o refugo da
sociedade, o que ela regeita como regeitou-me em algumas circunstâncias, talvez
seja o que há de mais válido nela, o que há de combatente, de vivo, de
possivelmente revolucionário. Talvez seja apenas um espelho do qual não se
gosta, um espelho que retrata a verdadeira face, o que me lembra
inevitavelmente Dorian Gray.
Quando se fala dos
“poucos vândalos” para uma multidão de pacíficos, devemos pensar se não estamos
fazendo uma revolução que a mídia acata facilmente. Já que a mídia
frequentemente manipula nossa opinião, e nos sonega informações que tem, se
isso não é perigoso, se isso não vai fazer com que coloquemos no poder um
governante de direita. Ao invés de uma política minimamente válida,
comprometida com respeito por nosso direitos, e não com um deputado como o
Feliciano na comissão de direitos humanos, que é algo de uma ironia
transcendental. Se não estamos fazendo uma revolução de que a mídia vai se
utilizar negativamente. É aí que reside todo perigo. Acho por exemplo que se um
deputado ganhasse como um professor a política não seria o que é, mas são eles
quem votam os próprios salários, enquanto nós somos quem devia decidir isso.
Me filio mais a um
pensamento de viés algo anarquista, algo comunista, porém não gosto de ismos e
acabo por definir-me apartidária e independente. Tenho, como temos todos, uma
cabeça própria, influenciável é verdade, mas no geral desvinculada de uma
lógica de manada até quando me for possível evitar. e sei quanto de utópico e
ideal há nisso. Por isso nenhum estado jamais me representará, a presidente
Dilma não me representa mesmo que eu tenha votado nela por considerar que
dentre as opções viáveis era a menos pior.
Aqui no rio, o que
tem sido feito é uma elitização progressiva da cidade, os moradores das favelas
estão deixando de ser pobres e a elite está tomando o lugar, a cidade está
mudando o caráter miscigenado que sempre teve e que garantia certa
horizontalidade nos espaços comuns. O custo de vida está aumentando e o aumento
da passagem é só a gota d'água de tudo isso, o que faltava para coroar um
quadro mais que absurdo. Vive-se num estado de vigília constante, uma ratoeira
da qual não conseguimos nos desvencilhar por mais que tentemos com afinco,
porque há sempre uma e outra pedra no caminho, pra citar Drummont.
A polícia é violenta
e cruel, aqui. O estado é violento e cruel, aqui. E o cidadão é que está a
mercê dele, e não o contrário, mas somos muitos, ainda que nesse coro de tantas
vozes se sobressaiam algumas poucas, e sempre tenhamos a impressão de que
estamos sendo enganados, manipulados, e massacrados pela mídia, polícia,
estado, e pela multidão que vai as ruas linchar, pois não há nada mais covarde
que um linchamento, seja ele afetivo ou físico.
Na manifestação que
fui nessa segunda-feira, foram presas pessoas que não tinham absolutamente nada
de vândalos, uma menina foi presa por portar um objeto que ela encontrou na rua
mas no momento do confronto foi fruto de um saque a uma loja de malas, pelo que
entendi. Como podem fazer os governantes para tirar um e outro como exemplo pra
massa e pra que pareça que não valha a pena resistir, e lutar pelos direitos
que todos temos. Ela foi presa injustamente e injustamente condenada a ficar
sem fiança, os outros foram liberados segundo fiança, a minha foi de dois mil
reais, para responder em liberdade como quadrilha. Eram pessoas que nunca
haviam se visto antes. Um estado em que aqueles que o combatem são passiveis de
serem tidos como terroristas é ditatorial.
Não concordo com uma
lógica nacionalista que se perpetua, acho que somos todos cidadãos do mundo
antes de pertencermos a este ou àquele país. O que vi na passeata que fui, foi
uma multidão de muitas vozes distintas, xingavam a todos os governantes. Mesmo
a mim, que não governo nada, xingavam também, uma multidão pode ser positiva ou
negativa, as vezes ambas as coisas, simultaneamente.
Compreendo uma
vivacidade derivada da violência, uma violência que se desvele poeticamente,
embora não apoie a depredação de prédios históricos ainda que segundo meu senso
estético ( como artista plástica e poeta que sou ) eles fiquem mais
interessantes assim. Acho que barricadas que atrapalhem o acesso da polícia aos
manifestantes podem vir a funcionar muito bem. Embora também não tenha
participado de nenhuma construção de barricadas no protesto, fui apenas vê-las.
Protestei
pacificamente, mas não passivamente, sim como uma performance reativa,
injustamente fui presa, e agora meu advogado me aconselha a não estar com os
meus, na passeata, onde o efetivo de polícia aumentou muito. Meu rosto
estampado nos jornais impede que eu saia ilesa, devido ao histórico
psiquiátrico que tenho, possivelmente pararia em um manicômio judicial. Peço a
todos que puderem ir, que vão, e combato daqui, com as armas que tiver ao
alcance, o que for possível.
A multidão que estava
na Rio Branco eram muitas vozes distintas, já a que foi à Alerj me deu a
impressão de ser uma voz mais unívoca, embora saibamos que há sempre
infiltrados. Por exemplo com uma bomba precisei de vinagre, me deram primeiro
wisky, depois vinagre, e leite de magnésia. Em uma outra hora em que recebi
spray de pimenta no rosto, logo após aquela foto, me deram tiner para passar no
rosto, o que singifica que é muito difícil nessas situações, saber quem é o
inimigo. A polícia me tacou pedras e atirou o que não tenho certeza se foi uma
bala de borracha ou um tiro de raspão, além do spray de pimenta. Então, sei que
inimigos são muitos, mas eles são os piores em minha relação e minha
performance no ato.
A polícia me agrediu
como agride a todos os manifestantes, nesse tipo passeata, como sempre foi
feito, hoje fui ao IML, fazer um exame de corpo delito para que eu possa me
defender e que meu processo seja arquivado. Na delegacia uma espécie de tortura
psicológica foi o que me aconteceu, pra sair de lá assinei papéis que não sei
em exato o que foram, e agora espero para ver no que vai dar. Espero que isso
se torne maior do que qualquer indivíduo, que seja a micro política invadindo a
macro, agora que por bem, devo dizer o que penso."
G1/ Rio de Janeiro.
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